sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Por uma saudade apenas.

Alguns anos depois, já não lembro bem ao certo se são 4, 5 ou 6, acomodei meus sentimentos e chorei. Não pela saudade, mas pela sorte que tive de viver tantos anos da minha vida acompanhada por Leisa Cecília, minha vó materna. Não, eu não precisava vir aqui falar sobre isso, e ninguém precisa ler. Mas como não sei por quanto tempo minha memória há de preservar tantos detalhes, pensei que registrá-la por aqui seria uma forma eficaz de manter acesa tanta magia, caso meus sentimentos me traiam outra vez (e minha memória). Minha gatinha. Ela me chamava assim. E ela passou muitas tardes com a gatinha dela, e toda a noite, após passar o dia com ela (o pai e a mãe trabalhavam sempre até muito tarde) ela se despedia e dizia: "Até amanhã, se Deus quiser". Em um amanhã - era 1º de janeiro -, Deus deu pra ela um dos poucos pedidos que fizeram sentido nos 2 anos em que conviveu com o Alzheimer = transformou-a em estrela. Ah, eu não acredito no espiritismo e coisas do tipo, mas que ela se tornou uma estrelinha, aah, se tornou, e até sei qual. Minha vó financiou a minha criatividade infantil, e ela era muito intensa. Eu inventava moda o tempo todo, e ela embarcava comigo, me dando garrafas pet pra recordar, retalhos de tecido, me emprestando a tesoura com todo o cuidado e tirando 1 ou 2 reais da "caixinha" do leite que ela vendia pra eu comprar um material que me faltasse. Me deixou fazer minha primeira nega-maluca, uma receita que aprendi com uma das freiras do colégio. Ela deixou, mas avisou que talvez não fosse dar certo: a receita pedia muito açúcar. De fato, não deu. E a culpa era mesmo do açúcar. Ela tinha razão, como sempre! Afinal, era uma quituteira de mão cheia. Os pães de casa eram os melhores. Só não eram melhores que os sonhos recheados com doce-de-leite. A maioria dos sonhos eram de goiabada, mas eu não gostava, então, os meus eram especialmente de doce-de-leite. É, ela fazia sonhos. E acho que fazia os meus também. Quando lembro o quão orgulhosa ela ficou de mim quando conclui o ensino médio, fico pensando o tamanho da realização que ela sentiria agora, que tou me formando na faculdade. No ensino médio, ela e a mãe me mandaram um daqueles "tele-car", que eu achava horrível... Mas vindo delas, foi sublime. E quando eu vestia de prenda ela me olhava como quem visse a coisa mais linda do mundo. Aliás, ela me olhava como a coisa mais linda do mundo todos os dias. Afinal, eu era a gatinha dela. Só eu, a 1ª neta. Lembro quando ela me alertou que eu tinha uma amiguinha falsa... E ela acertou, de novo! Quanta precisão...! Lembro quando ela adivinhou de qual guri do colégio que eu gostava. Eu morri de vergonha, mas não adiantava disfarçar, ela sabia que estava certa. Lembro nos meus 15! Ela tava ainda mais linda... Cabelo, maquiagem, vestido... E cheia de orgulho, como sempre. Com tantas dificuldades de quando estava doente, de mim ela não esqueceu nunca. E quando ela se foi, dormindo, apesar de tanta dor, algumas horas depois eu agradeci ao Deus pelo qual ela sempre pedia pra nos ver no dia seguinte, por não ter feito-a sofrer por mais tempo. A vó era colorada também, me informava de todos os jogos (ela ouvia na rádio). E dizia que jogo em casa era nosso, lá ninguém se metia com a gente. E uma das vezes que deu no Fantástico sobre apocalipse, que eu sempre morri de medo disso, ela me garantiu que aquilo não era o fim do mundo,só uma coisa muito triste que ia acontecer... Mas tipo um terremoto, e em algum lugar bem distante. Eu acreditei, afinal ela sabia das coisas. E foi assim, por muito tempo. E vejo que muito daquilo de bom que há em mim, veio dela. Enraizou-se em mim naquelas tardes, enquanto ela pediu que eu realmente sentisse nojo do cigarro que ela fumava, pois o cigarro merecia mesmo. Mas quanto ao chimarrão, o outro vício, ela ensinou que a magia de não entupir e não errar em nada, era fechá-lo despreocupadamente. Entendi que preocupar-se demais com algo é que deixa a coisa complicada. Acertar não é tão difícil assim. Ah, tinha também a emoção das tele-senas, e eu ia no correio trocar as do ano anterior pelas atuais. Quantas vezes escrevi naquelas folhas Leisa Cecília Rossignollo Severo. Foi assim que descobri o 2º nome dela, que ela nunca dizia, e de alguma forma preferia que não dissesse pra ninguém. De repente (ou parece ser de repente mas não é), como diria J. Lambari F., "deu saudade, minha linda, deu saudade".... E ela me faz falta todos os dias... Seja ouvindo a rádio Marajá de manhã, seja pra eu dizer que ela tinha que usar vestidos novos, seja pra eu estranhar o fungo numa unha dela do pé, seja pra poder ouvir aquele "Minha Gatinha" de novo, seja pra ver aquele olhar ali, perto de mim. Bem na verdade não é só a saudade. É ter visto, finalmente, o tamanho do espaço que ela ocupa, e sempre ocupará, na minha vida. Eu não poderia ter um espaço melhor em mim...

2 comentários:

  1. uma vez eu li num e-mail que a saudade é o amor que fica! Ainda bem que podemos senti-la e ter a certeza de que vivemos um amor verdadeiro e intenso, e quão intenso é o amor de vó... saudades da minha também!

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