terça-feira, 29 de novembro de 2011

Pesquisas no ENART 2011

Primeiro de tudo: Todo o meu respeito aos dançarinos, instrutores e patronagens das entidades citadas. Sei que o trabalho é árduo. Mas muitas pesquisas estão sendo feitas de forma bem equivocadas. Beeeeeem equivocadas.

Da mesma forma que você não confia a sua saúde à alguém que não é formado em medicina, pq confiar os estudos em História aos que não são historiadores? Defendo que cada um deva exercer a profissão pelo qual foi graduado para fazer. Se não foi, não faça.

O cuidado na bibliografia e o contexto deveria ser mais cauteloso. Trabalhos em história junto às danças não devem ser banalizados pois há a transmissão do conhecimento de forma muito popular e isto não deveria acontecer de forma equivocada.

Sem contar que, para qualquer contexto onde não se existam mais pessoas vivas que possam trazer um relato oral do período vivido, se não tiverem embasamento em fontes históricas de fundamento, as pesquisas ficam igualmente sem fundamento.

Vale se dizer ainda que as pesquisas em história não seguem mais as influências que predominaram até a 2ª metade do século XX: A influência do positivismo. O positivismo, para quem não sabe, foi uma doutrina criada por Auguste Comte em que, para a pesquisa histórica, se trata de uma linha de raciocínio onde apenas os documentos ditos "oficiais" são valorizados, em uma construção linear feitas de fatos, datas, causas e consequências e os "grandes vultos" (simplificando...). É uma corrente de pesquisa que não considera a influência cultural, as manifestações populares e nem a existência de uma história que não seja aquela configurada por estes "grandes vultos". Foi nesta doutrina em que o MTG sustentou e ainda tenta sustentar, desesperadamente, suas concepções do gaúcho Sul Rio-Grandense.

Graças à este (péssimo) pensamento, o MTG, na voz de seu "chefe de pesquisas" (que personificou - e "monopolizou" - todo o entendimento cultural do Movimento nas mãos de suas conviccções defasadas), tem trazido há anos, tanto nos livros que publica como nos temas que oferece para o Desfile Temático, um FATO seguido de diversos eventos que o moldaram. Sempre temos o destaque da elite, com Bento Gonçalves, David Canabarro e outros desses onde o "povo" se mostra apenas como uma camada que se espelha nestes ícones, desconsiderando suas vontades e principlamente, sua vasta influência na formação da identidade Sul-Rio-Grandense.

Os estudos em história conquistaram novos espaços com o Marxismo (que mesmo surgindo em época similar ao positivismo, ganha espaço posteriormente à ele) e com a Nova História Cultural, esta florescendo apenas após a metade do século XX. Aí as fontes são outras, as ideias também e se tem uma nova construção em história.

A cultura passa a ser relevante em sua grande complexidade: a articulação entre diversos setores da sociedade que se relacionavam, seja por necessidade ou não, mas com suas semelhanças devido ao espaço em que habitavam mesmo que não compusessem parcelas iguais de uma mesma sociedade.


Sempre reitero: Esta é a MINHA opinião. Do que eu acho bom, do que eu acho ruim. Por isso o blog tem meu nome. Todo mundo pode discordar, desde que saiba fazer isso com educação e ASSINANDO SEU NOME, assim como eu faço.

Ah, quem sou eu pra falar disso? Prazer, Tainá Severo Valenzuela, Historiadora e Professora de História formada pela Universidade Federal de Santa Maria, tendo sido orientada por Maria Medianeira Padoin e Saul Eduardo Seiguer Milder, com banca de monografia composta por estes dois mais Júlio Ricardo Quevedo do Santos, atual orientador do Mestrado em Patrimônio Cultural, também na UFSM.
Nada demais perto de tantos, mas tão consciente quanto muitos sobre estas pesquisas que apareceram no ENART.

Enfim enfim... Vasta e empolgada introdução para dar embasamento ao meu tema do dia: as pesquisas  do ENART.

Por ordem de apresentação, e somente os grupos que eu assisti...

CTG RONDA CHARRUA:
1 - Não localizei nenhuma fonte que fale sobre anilinas utilizadas por nos nossos povos pré-colombianos (ou seja, povos que habitaram a atual região da América antes da chegada de Cristóvão Colombo...). Logo, os chiripás primitivos com rosa e verde me deixaram bem reflexiva.Outra questão que tem corroído meu cérebro... As cartas são trocadas entre os anos de 1811 e 1812.De qual guerra se trata este contexto. Por qual "pátria" estariam lutando? Os domínio de Portugal na América já estavam definidos (Tratado de Badajós, 1801). O Brasil nem era uma "pátria" ainda, ainda era colônia de Portugal e a Família Real tinha chegado no país só em 1808. RS era uma província, mais identificada com a Cisplatina no lado Oeste do que como restante da colonização portuguesa, com o qual o Leste se identificava... Enfim, não sei.


CTG OS FARRAPOS:
Diz no jornalzinho que a idéia era prestar uma homenagem ao nome da entidade: OS FARRAPOS. Mas eles homenagearam os Líderes do Movimento Farroupilha, o que não é a exatamente mesma coisa. Os líderes do Movimento Farroupilha eram membros da elite Rio-Grandense da época, e raramente receberiam taxativos como este (pois na época o termo era pejorativo e degradante). Farrapos, geralmente, é uma alusão aos combatentes do Partido Farroupilha e não aos seus líderes, logo a apresentação acabou sendo contraditória. Obs.: Coreografia premiada.


 
GAN IVIMARAÉ:
Ótima pesquisa!! Sem contar que fizeram o bom uso do fogo na apresentação, hehe!!! Bom, é a única apresentação das que eu não vi que vou comentar. Excelente análise do período, revela parte da realidade tanto do Brasil quanto do RS do século XIX. Mistura de regionalismo com o contexto mundial das perseguições religiosas. Muito bom mesmo!

*Foto de Ricardo L. Correa


CTG SENTINELA DA QUERÊNCIA:
Gostei do contexto de Santa Maria, um tema pouco abordado sobre a cidade. O tema foi bem trabalhado, misturando a história oficial do município com a história oral, quando o moço invadia a pista para dar a notícia (isso é a parte que o popular "imortaliza"). Mas o contexto corre pelo ano de 1845, onde a braga já não seria mais utilizada... Já temos o chiripá farroupílha popularizado e, ainda, a braga se ainda fosse usada seria para uma região mais enriquecida, e ser enriquecido no centro do estado que ainda moldava sua população oriunda desta região de passagem, era um pouco menos recorrente (não que não algumas estâncias enriquecidas pela região...). Enfim, fora isso, bom contexto!


*Foto de Ricardo L. Correa

CPF PIÁ DO SUL:
Melhor trabalho de pesquisa deste ENART. Barbosa Lessa é um gigante muito esquecido pelo Movimento, mesmo que digam usar a Tese o Sentido e o Valor (que é muito boa) para alguma coisa. A obra Rodeio dos Ventos é maravilhosa, e o Piá trouxe a lenda do Ivitu-yepivu com maestria no salão. Lenda nativa + Barbosa Lessa foi algo muito bom mesmo. Pena que não foi premiada. Lembram que a coreografia dos Farrapos foi? Pois bem... Aí se explicita a corrente Positivista que o Movimento defende, percebe?? As obras do Lessa não caem nos concursos nem nada... Mas a corrente ali dos Farrapos com seus "heróis" deu certo na premiação. Percebem?

 *Foto de Ricardo L. Correa


UNIÃO GAÚCHA SIMÕES LOPES NETO:
Muito bom também! E, pra mim, foram os campeões nas danças tradicionais. Trouxeram muito bem o contexto proposto e, principalmente, com coerência! Trouxeram a realidade de Pelotas nos seus tempos mais áureos, e É ISSO QUE O SAINT-HILAIRE DIZ EM SEUS ESCRITOS, e não o oposto! Parabéns pra União, muito bom mesmo! Bem pesquisado, bem trabalhado, grupo lindo!

 *Foto de Ricardo L. Correa

CTG ESTÂNCIA DA SERRA:
Os costumes do Litoral, mesmo que ainda sejam estranhos aos olhos e ouvidos de muitos que vão ao ENART, são sempre um show! O Rio Grande tem que abrir os olhos para as culturas formadoras do Estado e que este Estado tem formações distintas conforme a região. Parabéns ao Estância, muito bom trabalho!

 *Foto de Ricardo L. Correa

CTG ALDEIA DOS ANJOS:
Ótimo contexto também. Trouxe as festas de Cavalhada da própria cidade, bem trabalhadas no folclore que embasam as festas e na forma como ela ocorre.Aí teve gente que reclamou que as prendas ficaram "horas enrolando aquele pano na cabeça"... Pessoal, por favor, é só entender o contexto... Os panos eram vermelhos, ou seja, elas eram mouras. Com a conquista do castelos pelos cristãos, elas se rendem junto e mudam a cor dos turbantes, que fica azul, da cor da ponta do pano, que representa os cristãos. E eu não pedi pra ninguém do Aldeia me explicar. É só pararem de criticar e abrirem os olhos pra o que está acontecendo na sala. Parabéns ao Aldeia também!

 *Foto de Ricardo L. Correa

GTCN VELHA CARRETA
Muito legal o trabalho do grupo! Contexto pouco visto nos ENARTs, as vendas de beira de estrada com seus secos e molhados, lidando com a parte empobrecida da sociedade, como os tropeiros e os mascates. Mostraram o espaço feminino nesta realidade, o que uma realidade muito boa de ser mostrada que as mulheres do RS trabalharam em muito nestas vendas (e não ficaram apenas "castas" em suas casas) e, em períodos de guerra, na ausência dos homens, elas mantinham estes estabelecimentos, administrando-os e servindo neles. Muito bom, Velha Carreta!!

 *Foto de Ricardo L. Correa


CTG RANCHO DA SAUDADE:
 Minha definição foi assim: Maravilhou os ouvidos, encheu os olhos e esvaziou o cérebro.
Gente, convenhamos... Patrões e peões festejando num mesmo fandango é surreal. Sem contar a loucura do patrão de subir em seu piano com sua prenda no "fim da festa". Pianos já eram bens raros, somente aos mais abastados. Subir em cima dela não era uma opção. Virei e revirei meu Saint-Hilaire procurando algum registro destes bailes de tropeiros+Barões, e não encontrei. Ao contrário, o livro cita os bailes da elite na presença de mulheres e homens muito bem vestidos com suas sedas, mas nenhum baile que misturasse as duas classes sociais, tão distintas. Ainda, as carreiradas podiam atrair todo tipo de público, mas isso não quer dizer que eles se misturassem e comemorassem juntos. A citação do Dreyes que tem no jornaliznho não denota, em nenhum momento, que a festa acontece unindo ambos. Iguais? Meus caros, não fomos e nem somos!!!!! O tema que o Rancho trouxe pra sala é a idéia que a direção do Movimento tem tentado empurrar goela abaixo de todos nós, tradicionalistas, de que somos iguais e de que eles fazem tudo pelo nosso bem. Mas não somos iguais, nós sabemos disso!!! Nem preciso dizer mais.

 *Foto de Ricardo L. Correa


Para concluir...

A diversidade de temas deste ENART e, principalmente, de realidades ou de temas folclóricos, foi o que mais me fascinou. União Gaúcha com os barões pelotenses, Estância da Serra com o litoral, Piá do Sul com lenda nativa são exemplos desta diversidade não de períodos, mas de contextos, realidades e regionalidades!!

E mais uma vez... Nada pessoal com dançarinos, integrantes de entidades nem nada. Minha função enquanto historiadora é zelar pelo bem do que eu estudo. Minha função como tradicionalita é zelar pelo bem da cultura do Rio Grande do Sul. Esse é o meu jeito.

*No próximo post, vou postar trechos do Viagem ao Rio Grande do Sul, do Saint-Hilaire, quando ele fala sobre os bailes que ele presenciou.

*Ah, como isso não é um artigo científico, não coloquei fontes. Se alguém quiser informações sobre as fontes que eu uso/usei, é só pedir ;)