Hoje tive a felicidade de ver meu artigo publicado na Revista O VIÉS (aliás, recomendo! É muito boa: www.revistaovies.com ), então aproveitei pra vir divulgar meu próprio artigo aqui no blog também e deixar alguns comentários!
Sabem né... Ser Tradicionalista e Historiadora é complicado! Há uma linha muito sutil onde se deve estar para não se tornar fanática/revoltada com o tradicionalismo ou fanática/revoltada com a produção de história.
Busco o equilíbrio entre ambos sempre, por amar ambos!
Antes, quero tecer alguns comentários! Óbvio que não quero duvidar da capacidade intelectual de ninguém, mas alguns termos que são meio comuns entre quem estuda história como "profissão", não são comuns aos que estudam como "opção". Então gostaria de citar exemplos "grosso modo"... Já que o trabalho é focado ao meio nativista! Pra quem está adaptado aos termos, desculpe! E pule esta primeira parte, hehehe!
- Imaginário: O imaginário de alguma sociedade é aquilo que não é fixo, nem óbvio, mas que de alguma forma faz parte do cotidiano. Exemplo: Você sonha em ter uma casa própria, mas não tem. Se daqui 50 anos fosse feito um estudo sobre "a casa própria" e esse estudo não se preocupasse com o imaginário, nele seriam considerados apenas aqueles que tem casa própria. Mas aqueles que não a tem e desejam ter, são tão relevantes para o assunto quanto os proprietários. Voltando o tema para o RS, trabalho o Imaginário como aquilo em que a população assume como seu, tendo sido "verdade" ou não. O heroismo, a bravura do povo fazem parte do Imaginário do Sul...
- Representação: É aquilo que nós, tradicionalistas, fazemos. Representamos aquilo que acreditamos. O que acreditamos provém do nosso imaginário... E o representamos seja nas danças, nas festas campeiras, nos prendados, nas músicas, etc.
A grande questão é que alguns historiadores não aceitam a representação e nem o imaginário. Eu trabalho acreditando que ambos tem validade, pois o imaginário faz parte da vivência de cada ser humano, independentemente sobre o que for. Assim, representar esse imaginário é tão legítimo quanto o imaginário existir...
Bom, pra quem aguentou ler até aqui, se ainda tiver interesse, segue o artigo abaixo, hehe! Ele é adaptado da minha monografia, "Personagens anônimos da história Rio-grandense e seu reflexo no contexto musical Nativista do Rio Grande do Sul". Se alguém tiver interesse, é só gritar ;)
Vamos ao artigo... Aguardo comentários!
Grande beijo!
Sobre História, Música e Representação: O Rio Grande do Sul de outros olhares.[1]
Tainá Severo Valenzuela[2]
A historiografia tradicional, baseada especialmente na concepção positivista da história, deixou de legado também ao Rio Grande do Sul um conhecimento em nível popular fortemente resumido se comparado ao quanto se poderia explorar na história do Estado. Há certa indiferença diante da população que não nascera no berço da elite, mas é necessário percebermos que esta população de classe social mais baixa é base fundamental no transcorrer histórico em qualquer sociedade.
A vivência da cultura que viera perdurar e se tornar, após adaptações, característica do sul do Brasil, tem seu suporte nas vivências cotidianas tanto da elite rio-grandense quanto das classes inferiores. Essa observação nos remete à relevante observação de que não se deve resumir – isto inclui o já citado entendimento por conhecimento popular – a história regional no período que caracteriza o Levante Farroupilha, o que comumente ocorre.
Entre estes aspectos culturais, encontram-se as manifestações artísticas, como a música, e quando estas manifestações artísticas são referentes à terra (região) de onde se é nato chama-se “nativista”. Contemporaneamente, vimos surgir uma forte tendência musical nativista no Rio Grande do Sul que traz à luz da cultura a idéia de reverenciar justamente as figuras anônimas que foram peças chaves no transcorrer da história Rio-Grandense e que não compõem a camada elitizada. Num trabalho de maior extensão, pudemos analisar especificamente 10 composições musicais, produzidas entre o final da década de 1970 e o final da década de 2010, onde se pode perceber momentos da história rio-grandense que há pouco tempo ganharam visibilidade na historiografia, pois devido à influência principalmente Positivista eram temáticas inibidas para que se pudessem privilegiar os “grandes feitos”, os “grandes heróis”, recolhidos dos ditos documentos oficiais, característica da pesquisa histórica Positivista. É a mesma corrente que influencia o conhecimento popular que fora observado. Com a influência de outras escolas teóricas (Marxismo, Annales, Nova História Cultural), novas fontes e objetos são admitidos na pesquisa histórica, como imagens, cinema e música, por exemplo.
Quanto ao uso da música como fonte e objeto de pesquisa em história, vemos ser uma corrente amparada diretamente pelos estudos da história cultural. Usar estas fontes faz com que o pesquisador assuma a condição de não buscar apresentar grandes verdades, assim como Sandra Jatahy Pesavento enfatiza: “Não mais uma era de certezas normativas, de leis e modelos a regerem o social. Uma era da dúvida, talvez, de suspeita, por certo, no qual tudo é posto em interrogação, pondo em causa a coerência do mundo” (2003, p. 15-16).
Estas considerações visam demonstrar que uma construção histórica através da música também oferece legitimidade à esta, e pode dar base para o entendimento do imaginário nos estudos históricos, onde a música vem ser uma das formas de representá-la. A compreensão da representação, neste caso, regional, é o reflexo onde o imaginário de uma população pode se concentrar na idéia de dar à história novos recortes temáticos que permitam a inserção de novos personagens, seus anseios, suas particularidades, encorpando o universo da cultura.
Para se abordar a situação do uso da música como objeto e fonte de história, precisa-se debruçar sobre alguns trabalhos que investigaram esta prática. O primeiro item à ser considerado é “História e música: canção popular e conhecimento histórico”, de José Geraldo Vinci de Moraes (2000). A grande preocupação de Moraes neste trabalho é demonstrar ao leitor que as relações entre história, cultura e música popular são extremamente proveitosas e válidas para a pesquisa e o ensino de história. Ainda, acredita que o desconhecimento da técnica musical não deve servir como pretexto ao pesquisador para evitar o uso da música enquanto fonte. O autor considera a importância do trabalho com a música não em sua técnica, mas a partir da sua difusão e de sua popularidade. Concluindo as colaborações obtidas com o texto de José Geraldo Vinci de Moraes (2000), concorda-se com o autor quando ele diz que:
É preciso considerar também que para o artista popular muitas vezes a cultura local e regional impôs, a seu modo, modelos e gostos, encarados geralmente como intransponíveis para a comunidade e para quem convivia com elas. De outro lado, o acesso e a troca de experiências diante da exposição de uma imensa variedade de obras e estilos expostos pela nova situação histórica e cultural permitiram a transposição dos limites de formas culturais fortemente marcadas pelos aspectos regionais e locais. (p. 217, grifo nosso)
A idéia de que vertentes que ou divergem ou reavaliam o contexto regional sob uma ótica menos popular recebe a ênfase que justifica este trabalho, assistido pela listagem das músicas apresentadas na versão completa deste trabalho. Mesmo que na música nativista Rio-Grandense mantenha-se o estilo musical nos instrumentos utilizados e na linha melódica, por exemplo, o rompimento com os conhecimentos mais tradicionais da história urgem como a “transposição das formas” sugeridas pelo autor.
O autor Marcos Napolitano colabora muito com a temática, e observa-se então sua obra “Fontes audiovisuais: a história depois do papel”, do ano de 200, onde Napolitano interliga as diversas possibilidades de fontes e as formas de utilizá-las, problematizando-as. Demonstra ter havido um atraso por parte dos historiadores em usar a música como objeto de pesquisa, já que pesquisadores de outras áreas já se valiam da análise musical para seus estudos. Diferencia os conceitos acerca os estudos da música em: Musicologia histórica, o estudo da vida e obra dos compositores (p. 255); Etnomusicologia, o estudo das manifestações musicais de grupos comunitários, não voltadas ao consumo (p.255); e Estudos em Música Popular, a produção voltada para o consumo, que precisava integrar-se às exigências do mercado musical, o que não extingue integralmente a personalidade do autor e do intérprete (p. 256-257).
Antes de refletirmos sobre em qual destas correntes este estudo se encaixa, é válido considerarmos o texto de Denys Cuchê (1999), “A invenção do Conceito Científico de Cultura”, quando o autor observa que a sociologia e a etnologia são criadas em função das reflexões à respeito do homem e da sociedade no século XIX. O autor discorre sobre a etnologia (cujas considerações são relevantes para compreendermos o conceito de etnomusicologia) como uma corrente que busca respostas para a diversidade, pois as “respostas biológicas” já não são suficientes para a compreensão da sociedade, conforme pode-se analisar na seguinte passagem: “Se eles reivindicam uma nova ciência, é para dar uma outra explicação à diversidade humana, diferente da existência de “raças” diferentes” (CUCHÊ, 1999, p. 33).
Percebe-se então que a diversidade passa a ser uma característica intrigante e relevante para a compreensão da sociedade no século XIX. Logo, desenvolver um conceito para a Etnomusicologia atenta para entenderem-se estas diferenças através das manifestações musicais. Encaixar este estudo em uma única corrente das apresentadas anteriormente por Marcos Napolitano é uma tarefa delicada e complexa, pois sabemos não estarmos estudando a Musicologia histórica, mas temos as manifestações de um grupo específico, (o que condiz com e Etnomusicologia) que, se não produzia especificamente para o mercado musical, também se valia dele. Portanto, este trabalho apresenta tanto características da Etnomusicologia quanto dos Estudos em Música Popular, conforme a definição de Napolitano (2005).
Pode-se refletir também que a questão da música no contexto contemporâneo tem relação com o surgimento e o desenvolvimento da escrita, pois nosso estudo reside em obras musicais compostas de melodia e letra, e o foco da análise é a composição poética. Esta é uma questão abordada por Carlo Ginzburg (1989), em “Sinais: Raízes de um paradigma indiciário”, sobre o qual será observada a seguinte passagem:
Inicialmente, foram considerados não pertinentes ao texto os elementos ligados à oralidade e à gestualidade; depois também os elementos ligados ao caráter físico da escrita. O resultado dessa dupla operação foi a progressiva desmaterialização do texto, continuamente depurado de todas as referências sensíveis: mesmo que seja necessária uma relação sensível para que o texto sobreviva, o texto não se identifica com seu suporte. Tudo isso nos parece óbvio, hoje, mas não o é em termos absolutos. Basta pensar na função decisiva de entonação nas literaturas orais, ou da caligrafia na poesia chinesa, para perceber que a noção de texto que acabamos de invocar está ligada à uma escolha cultural, de alcance incalculável (p. 157, grifo nosso)
Quer-se, com esta passagem, considerar que mesmo que o objeto de estudo seja a letra de composições musicais, não se pode excluir delas a condição de que foram “materializadas” através do conjunto que envolve esta letra, sua melodia e sua interpretação. Sem este arranjo, muitos destes “escritos” não teriam tido repercussão, ou ainda, sem os devidos arranjos musicais (melodia e interpretação) não teriam causado o impacto necessário quando foram elaboradas para serem repassadas e difundidas. Acrescenta-se a esta premissa, a idéia de “invocação à uma escolha cultural” citada por Ginzburg (1989), pois neste caso, esta escolha cultural reside no nativismo em forma de música.
Já quanto ao cenário nativista, são válidas as observações acerca do imaginário e da representação que circunda a figura do rio-grandense. Sandra Jatahy Pesavento (1993), em “A invenção da Sociedade Gaúcha”, trabalha esta questão demonstrando inicialmente que o imaginário se constrói entre a realidade e representações atribuídas à ela. Ou seja, este imaginário alimenta a questão da identidade, onde, ligada sempre às noções de nação e/ou de região, é elaborada de forma onde não necessariamente tenha uma ligação direta com um evento real, mas também de anseios e utopias, e estes, por sua vez, fazem parte desta realidade.
Pesavento (1993) apresenta quatro elementos fundamentais para a representação regional, que seriam o “Mito das origens”, a “articulação personagem-paisagem”, a “opção política e ideológica regional” e a “articulação entre autor e público”. Para a busca do “anônimo” nas manifestações nativistas gaúchas, a compreensão do mito das origens é bastante pertinente, pois a visão tradicional de história que será observada posteriormente se vale muito da elaboração da figura mística do rio-grandense, e a “gênese” deste gaúcho vêm amparada nesta construção histórica, dos “grandes vultos” e seus “grandes feitos”.
É necessário perceber ainda que, mesmo com uma reconstrução histórica através da música, o “gaúcho” não perde sua origem gloriosa, mas sim a transfere para outras personagens. Se no caso de não ser utilizada a ótica tradicional da história perdem-se os “vultos” mais consagrados, a gênese se transfere para uma camada social que, não compondo a elite, realiza seus grandes feitos diante de uma sociedade que os oprimia e ludibriava. Sendo assim, nenhuma das correntes, nem a “tradicional” e nem a dos “anônimos” perde a glória que pretende ser empreendida à gênese da figura do gaúcho.
Assim, o imaginário valida as distintas construções identitárias sobre uma mesma região. Estas observações feitas vêm por legitimar o imaginário como objeto de estudo e como elemento cultural das sociedades relevante em suas condutas. Novamente observando os escritos de Sandra Jatahy Pesavento, em “História e História Cultural”, quando enfatiza que “a força da representação se dá pela sua capacidade de mobilização e de produzir reconhecimento e legitimidade social” (2003, p. 41).
A idéia de legitimar as identidades baseadas nas representações e no imaginário também é trabalhada por Terry Eagleton (2005) em “A idéia de Cultura”, quando diz:
Essa preferência por uma identidade cultural em vez de outra é arracional, no sentido de que optar por ser parte de uma democracia no lugar de uma ditadura não é. [...] Mas o fato de que uma escolha de identidade cultural é arracional não é um argumento contra ela. [...] De qualquer modo, nossas fidelidades culturais, seja àqueles de nosso próprio grupo ou a outros, não são necessariamente irracionais pelo fato de serem a-racionais. (p. 89-90).
Sendo assim, observa-se que pertencer à um grupo de identidade cultural, mesmo que esta não tenha relação direta com os eventos considerados históricos, não faz com que esta identidade seja desprestigiada, pois esta “escolha” é feita através das emoções e preferências de cada indivíduo, e a representação então é validada através do imaginário, cujas considerações de autenticidade já foram feitas anteriormente.
As observações desenvolvidas neste trabalho visaram, então, creditar à música suas possibilidades e potencialidades como fonte e objeto de história. Ainda, busca demonstrar que mesmo uma corrente de música nativista, naturalmente imbuída nos valores e preceitos da região de onde seus compositores são natos, é um objeto de estudo de credibilidade mesmo estando imersa no imaginário e na representação de sua sociedade, pois se acredita neste imaginário como um elemento legítimo para a compreensão de um grupo social.
Referências:
ADORNO, Theodor. O fetichismo na música e a regressão da audição. In BENJAMIN, HABERMAS, HORKHEIMER, ADORNO. Os pensadores – Textos escolhidos. São Paulo: Abril Cultural, 1975.
CHARTIER, Roger. À beira da falésia: a história entre incertezas e inquietude. Porto Alegre, RS: Ed. da UFRGS, 2002.
CUCHÊ, Denys. A noção de Cultura nas Ciências Sociais. Bauru, SP: EDUSC, 1999.
EAGLETON, Terry, A idéia de Cultura. Tradução de Sandra Castello Branco. São Paulo: Editora UNESP, 2005
GINZBURG, Carlo. Sinais - Raízes de um paradigma indiciário. In Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 1989
GUTFREIND, Ieda. A historiografia sul-rio-grandense e seus fundamentos. In Historiografia Rio-Grandense. Porto Alegre, RS: Ed. da UFRGS, 1992.
HEINZ, Flávio. O historiador e as elites – à guisa de introdução. In HEINZ, Flávio (org.). Por outra história das elites. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2006.
MORAES, José Geraldo Vinci de. História e música: canção popular e conhecimento histórico. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 20, nº39, p. 203-221, 2000.
NAPOLITANO, Marcos. Cultura. In PINSKY, Carla Bassanezi (org). Novos temas nas aulas de história. São Paulo: Contexto, 2009.
NAPOLITANO, Marcos. Fontes audiovisuais: A história depois do papel. In PINSKY, Carla Bassanezi (org). Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, 2005.
NAPOLITANO, Marcos. História e Música: História Cultural da música popular. 2.ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.
PESAVENTO, Sandra Jatahy. A Invenção da Sociedade Gaúcha. Porto Alegre, RS: Ensaios FEE, 1993.
PESAVENTO, Sandra Jatahy. História e História Cultural. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.
PESAVENTO, Sandra Jatahy. SANTOS, Nádia Maria Weber. ROSSINI, Miriam de Souza (orgs.). Narrativas, Imagens e Práticas Sociais – Discursos em História Cultural. Porto Alegre: Ed. Asterisco, 2008.
SWAIN, Tânia. Você disse imaginário? In: SWAIN, Tânia N. (Org.). História no Plural. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1994.
[1] Este artigo é parte do Trabalho de Conclusão da Graduação ”Personagens Anônimos da História Rio-Grandense e seu reflexo no contexto musical Nativista do Rio Grande do Sul” da autora, no Curso de História – Licenciatura Plena e Bacharelado, da Universidade Federal de Santa Maria, 2010.
[2] Historiadora Licenciada pela UFSM 2010.
Nenhum comentário:
Postar um comentário